Parte II - A aplicação do método
do construtivismo lógico-semântico para o bom aproveitamento e zelo dos
direitos individuais proporcionados pelo Estado de Direito.
O direito como mantenedor da credibilidade
pela qual a forma do Estado se realiza, não pode ser operado de maneira torpe e
vazia, haja vista os regimes totalitários[1] que,
através de uma burocracia paramentada pela vontade de seu soberano,
ideologicamente enraizado, ocasionaram as maiores catástrofes sociais da
história. Neste diapasão, a instrumentalidade do direito precisa, a rigor, se
valer de uma lógica que se aproxima da racionalidade cuja qual busca a
concretização do expediente científico, ou seja, a superação de ideais e
sistemas em prol da efetivação da progressão do conhecimento.
Nesse sentido, se deve buscar um critério
metodológico que esteja aberto ao mundo fático, para que o método não se faça
uma verdade absoluta, contudo esteja submetido à avaliação da casuística
proporcionada pelos fatos advindos de todas as esferas da realidade, sendo,
portanto, a imposição dos casos concretos uma conditio sine qua non para a apuração metodológica através da
depuração das regiões ônticas[2]
em bases lógicas: o espírito da sociedade não reside em um plano metafísico,
mas no orbe cognitivo do ser humano, pois será o seu gênio criativo[3]
que deverá superar o caos do “mundo da vida” [4],
dando sentido a este mundo através da produção de formas lógicas,
materializadas na consciência do indivíduo para apreender aquilo apresentado
pela sociedade através da seara política, econômica, antropológica, ética,
moral e jurídica. O trajeto percorrido pela consciência, leva o ser humano a
aproximar-se, conforme ensina Paulo de Barros Carvalho, “das instâncias cognitivas do saber”[5].
Preleciona o ilustre mestre:
“Bem, o
conhecimento pode ocorrer mediante qualquer das modalidades formais de consciência:
a percepção, a sensação, a lembrança, as emoções, a imaginação, a vontade, o
pensamento (ideias, juízos, raciocínios, sistemas), o sonhar, o alimentar
esperanças, etc. Consubstancia-se na apreensão do objeto mediante ato
específico e forma correspondente. É preciso salientar, contudo, que há meios
mais ou menos eficazes para que se dê o fenômeno de absorção. Sempre lembrando
que, vezes sem conta, o objeto é aprisionado por atos competentes, mas, por uma
série de motivos sobre os quais especula a psicologia individual, ele permanece
latente, oscilando em camadas inferiores do nosso espírito, que poderíamos
chamar de “saberes inconscientes”. Por variadas contingências existenciais,
esses objetos não são conduzidos imediatamente à plataforma da consciência, o
que não significa dizer que não tenham sido adequadamente capturados ou que
inexistem como conhecimento. Nossas vivências pessoais atestam circunstâncias
desse tope, com muita reiteração. Num átimo, são eles alçados à condição de
objetos sobre os quais temos consciência, conquanto saibamos que já estavam
depositados nos misteriosos arquivos situados em camadas inferiores do nosso
espírito.”[6]
Outrossim, o método científico adotado deverá
ser expressado através da linguagem; ela o tornará logicamente compreensível,
realizando o movimento de transmissão da mensagem que repercutirá pela
comunidade detentora da consciência produzida em função do objeto de estudo,
para, então, trazer a lume as disciplinas que darão substância ao conhecimento
produzido e propagado pela ciência. Sem a linguagem não haveria civilização,
pois o cabedal de signos[7]
não seria transmitido ao longo das gerações, e, portanto, a própria consciência
não se formaria, haja vista a linguagem possuir a função de materializar a
abstração contida na cognição para o mundo dos fatos: a linguagem possibilita
ao ser humano se comunicar, isso influi diretamente no produzir sentido ao
mundo, pois sem este movimento, o que restaria seria, apenas, e, tão somente, a
realidade cósmica, totalmente independente da existência humana. Isso posto, o
filósofo tcheco, naturalizado brasileiro, Vilém Flusser, com monumental
elucubração de sabedoria, expõe:
“Umas
das ânsias fundamentais do espírito humano em sua tentativa de compreender,
governar e modificar o mundo é descobrir uma ordem. Um mundo caótico seria
incompreensível, portanto careceria de significado e seria ocioso querer
governá-lo e modificá-lo. A própria existência humana não passaria de um dos
elementos dos quais o caos se compõe, seria fútil. Um mundo caótico, embora
concebível, é, portanto, insuportável. O espírito, em sua “vontade de poder”,
recusa-se a aceitá-lo. Procura, no fundo das aparências caóticas, uma estrutura
graças à qual as aparências, caóticamente “complicadas”, possam ser “explicadas”.
Essa estrutura deve funcionar de duas maneiras: deve permitir a fixação de cada
aparência dentro do esquema geral, deve servir, portanto, de sistema de
referência; deve permitir a coordenação entre as aparências, deve servir de
sistema de regras. A estrutura deve ser estática e dinâmica, isto é,
utilizando-nos da estrutura estática, tornamos a aparência apreensível. Ligando
a aparência com outra, de maneira que ela seja consequência de outra, isto é,
utilizando-nos da estrutura dinâmica, tornamos a aparência compreensível. O
primeiro esforço, o da fixação equivale a uma catalogação, equivalente a uma
hierarquização do mundo. Se coroados de êxito, o primeiro esforço resultará em
catálogo de tôdas as aparências bem definidas uma diante da outra, e o segundo
esforço resultará em hierarquia de classes de aparências perfeitamente
deduzíveis uma da outra. O mundo terá sido transformado de caos em cosmos.
Poderemos dizer que o mundo, “aparentemente” caótico, é “realmente” ordenado.
Ou, que há um mundo “aparente” caótico, e um mundo “real” ordenado. Essa
estrutura da “realidade”, ou melhor, essa estrutura que é a “realidade” não
tendo sido ainda descoberta, os nossos catálogos e as nossas classificações
estando ainda imperfeitos, podemos, com certa dose de otimismo, dizer que o
espírito avança da “aparência” para a “realidade.” [8]
Diante desta análise, Flusser afirma:
“Cada
palavra, cada forma gramatical é não somente um acumulador de todo passado, mas
também um gerador de todo futuro. Cada palavra é uma obra de conversação a
partir do indizível, em cujo aperfeiçoamento colaboram as gerações incontáveis
dos intelectos em conversação e a qual nos é confiada pela conversação a fim de
que a aperfeiçoemos ainda mais e a trasmitamos aos que virão, para servi-lhes
de instrumento em sua busca indizível.” [9]
A
composição de um método coerente é de fundamental importância para a
compreensão do direito e seus ramos, pois não se deve olvidar ser o direito
uno, todavia fragmentado por disciplinas que colaboram para erigir a realidade
jurídica como essência do Estado de Direito que assegura as liberdades
individuais através da república. É diante desta necessidade que adotamos o
Construtivismo Lógico-Semântico, como instrumento de trabalho, que impede
verdades absolutas, arraigadas pelas ideologias totalitárias, bem como afasta o
relativismo vazio de significado da população que zela em demasia pela opinião,
solapando, inevitavelmente, o conhecimento cientifico, de estabelecer na
operação do direito, uma atividade de cunho, completamente, desprovido de
segurança para integridade da harmonia social. Nesse sentido, Paulo de Barros
Carvalhos nos diz:
“O construtivismo lógico-semântico é,
antes de tudo, um instrumento de trabalho, modelo para ajustar a precisão da
forma à pureza e à nitidez do pensamento; meio e processo para a construção
rigorosa do discurso, no que atende, em certa medida, a um dos requisitos do
saber científico tradicional. Acolhe, com entusiasmo, a recomendação segundo a
qual não haverá ciência ali onde a linguagem
for solta e descomprometida. O modelo construtivista se propõe amarrar os
termos da linguagem, consoante esquemas lógicos que deem firmeza à mensagem,
pelo cuidado especial com o arranjo sintático da frase, sem deixar de
preocupar-se com o plano do conteúdo, selecionando as significações mais
adequadas à fidelidade da enunciação.” [10]
Diante de tudo o que foi exposto, compreende-se que o Estado de Direito
fundado pelo itinerário republicano, somente será possível se houver uma
realidade jurídica calcada em uma matriz cognitiva de profunda coerência com o
trajeto que se deve percorrer para a concepção da consciência e busca do
conhecimento; para a efetivação deste movimento se deve possuir a linguagem
como instrumento de materialização das abstrações localizadas no plano da
razão, e, portanto, os direitos individuais serão preservados, pois não se
haverá de solapa-los, enquanto houver uma Constituição que os garanta, bem como
um método científico, razoável, que zele pelo bom aproveitamento de suas normas.
[1] Uma análise
aprofundada sobre a temática do totalitarismo pode ser encontrada no livro
escrito pela filósofa alemã, Hannah Arendt, intitulado “as origens do
totalitarismo”.
[2] As regiões ônticas
são relacionadas aos objetos do mundo: cultura, ideal, metafisica e natural.
[3] O gênio criativo do ser humano diz
respeito a capacidade de gerar uma realidade, com lógica própria, que se
sobreponha a esfera da natureza.
[4] O mundo da vida é um tema originário da
fenomenologia, e, portanto, utilizado pelo filosofo Edmund Husserl para
alcançar, universalmente, todos os sujeitos que compartilham procedimentos
lógico-psicológicos para compreenderem algo. Em suma, o mundo da vida refere-se
ao modo de fundamentação dos atos da consciência na fenomenologia.
[5] CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: Linguagem e Método.
6ª Edição. São Paulo. Editora Noeses. Pág. 08.
[6] Ibidem. Pág. 12.
[7] Signo é o elemento da linguagem que alude ao conceito através de sua emissão sonora por um mensageiro
(significante e significado se unem para dar sentido às coisas do mundo).
[8] FLUSSER, Vilem. Língua e Realidade. 1ª Edição. São
Paulo. Editora Herder. 1963. Pág. 11 e 12.
[10] CARVALHO, Paulo de Barros. Constructivismo lógico-semântico.
Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de
Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Teoria Geral e Filosofia
do Direito. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga, André Luiz
Freire (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, 2017. Disponível em:
https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/101/edicao-1/constructivismo-logico-semantico.
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